Desistir para ganhar: o que o BBB nos ensina
O que era para ser entretenimento virou um sofrimento avassalador. Diante da repercussão do mais opressor dos programas do BBB, edição 2021, precisei assistir aos vídeos para entender, escrever e comprovar tamanha falta de afetividade dos brothers. Pra mim, a maior de todas as deficiências.
Durante as duas semanas de programa, foi nítido o desprezo com que o grupo tratou esse rapaz. Numa conversa (que raramente se conseguia), eles classificaram Lucas como vagabundo quando falava da sua fase como estudante. Ele tentou dialogar com todos dentro daquela casa e foi chamado de manipulador. O cara já estava falando sozinho, até por devaneios, com tanta loucura dos outros, e por isso ele é quem foi chamado de doido. Ousou até pedir desculpas aos colegas. Desculpa de quê? Foi acusado de dissimulação. E por último tentou escapar num beijo e foi mais uma vez humilhado, enxotado, e chamado de aproveitador da causa LGBTQIA+.
A casa da violência – o Brasil é o país que mais mata pessoas LGBTQIA+. Não dá pra esquecer disso. Aliás, é bom que a Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos lembre-se de inserir essa informação em seu discurso que fará no fim do mês na ONU. Lucas, esse menino de 24 anos merece muito mais que um prêmio de um milhão e meio de reais, ele merece o reconhecimento pela sua valentia, sorte e esforço para sobreviver aos tiros da polícia que matam a população negra. Isso representa setenta e cinco por cento das pessoas e, em sua maioria, estão os jovens de 15 a 29 anos. Lucas guerreiro.
Presenciou a mais um extermínio, e foi violentado com doses fortes de preconceito e torturado pelo excesso de ódio. Assistimos ali dentro o que acontece aqui fora: a falta de esperança. A verdade é que estamos cansados daqueles que tentam nos enfiar goela abaixo esse tipo de programa, um jogo que arma com as emoções reais e nos faz sentir injustiçados, humilhados e ainda mais, nos faz entender o quanto as pessoas estão adoecidas com seus sentimentos e histórias de vida. É hora de tratamento e não desse tipo de entretenimento.
Direitos contra a parede – o que mais me chama atenção é ver o grito por justiça entalado na garganta do Lucas – que parece ser negado aqui fora também. Os ignorantes que percebem a injustiça, mas seguem firmes para preservar seus privilégios. Ali dentro tem uma opressão atualizada, uma confusão de valores. O paredão para os iguais ao Lucas, negro, pobre, bissexual, artista etc., é todo dia. Não é tarefa fácil viver num país assim, quem dirá num confinamento
Vejo como um ato nobre de coragem a decisão que Lucas tomou ao sair desse show de horrores. Eu diria que sua forma de agir apontou que a transformação está em curso. Sua decisão acende um caminho para o entendimento das pessoas com os seus desejos. Da sua busca pela autenticidade. Da luta por direitos humanos.
Preconceito nunca é bem-vindo – como seria ter uma pessoa com deficiência ali nos dias de hoje? No que se transformou o programa é bom não pagar pra ver. Socorro! O que aconteceu com o Lucas foi injusto e quem merecia sair ou ser advertido, não foi. Isso significa que ainda nos falta consciência dos problemas para além do jogo e que nos afligem, e que não temos os mecanismos para combatê-los.
Que o exemplo dele nos sirva. Que sua conquista individual e sofrida ajude a nos empoderar para uma ação coletiva, de consciência social dos direitos. E ele chacoalhou vários ali em duas semanas, não é? Que possamos promover mudanças e não nos falte material para o paredão que construiremos, junto com você, Lucas, para que não passem aqueles que minam a busca por direito à autonomia, por suas escolhas e suas lutas. Se você soubesse…