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Respire: estamos na metade

Folha do calendário com fechamento espiral, em folha branca, retangular onde está escrito "O amor é a asa que Deus deu ao homem para subir até Ele" Michelangelo (1475-1564)

Mas esse meio do ano tem me trazido diversas reflexões ligadas ao momento histórico em que estamos vivendo e, principalmente, ao que ainda estar por vir. Muitas vezes o isolamento social provocado pelo novo coronavírus me forçou a escrever bem para além das restrições de acesso físico e atitudinais que vivencio no cotidiano. E é um pouco disso que hoje trago a você. Um pouco desse tempo que nos obrigou a parar. A colocar a mão e o pé no freio da vida.

Como você passa pelo tempo?

O ritmo dos acontecimentos ao nosso redor deixou de ser controlado por nós, a quarentena instalada bem em nossos olhares nos obriga a contemplar o horizonte a nossa frente para termos a dimensão do que ainda podemos fazer. Há um novo ciclo que chega e, juntamente com ele, a oportunidade de rever metas e sonhos que precisamos alcançar.

Se fomos obrigados a parar, nosso eterno Cazuza vai dizer: “o tempo não para”.  E se estamos caminhando para o início do fim da pandemia e conseguimos estar vivos até aqui, e estamos fazendo tudo que precisamos fazer, então, há um recomeço que se acende dentro de nós.

Aceita meu convite?

E para este início eu te convido – junto comigo – a seguirmos fortes no enfrentamento de nossas dores, incertezas e medos, pois só assim teremos a chance de experimentar o novo. Que na maior parte das vezes é a melhor fase do final de um ciclo. Temos em nossas mãos uma outra metade do ano, para sentirmos de corpo e alma, o que quer que seja, de acreditar mais uma vez, nas muitas possibilidades e na força de cada um de nós. Que nossa compreensão esteja afinada com o lema: assim como tudo na vida, este momento – quando der – também vai passar.




Como encontrar paz no meio da dor

Ficaram as memórias daquela tia que fazia os melhores pratos do Natal, presentes com o nome de cada sobrinho, risadas depois dos casos engraçados que contava, mistérios sobre sua verdadeira idade, café com bolo fresquinhos, lembranças do cheiro da casa e dos primos reunidos. Quantas histórias se partiram juntamente com ela.

Como entender a morte – eu me rendo à esperança sempre que me vejo diante de uma situação de transformação humana. Um gesto de empatia, um afago na alma são exemplos que me acalentam. Agora a morte é o momento que mais nos exige o cessar da luta. É quando devemos praticar o verbo “aceitar” e se entregar à paz. É como estou entendo a morte, sabe?

Sobre isso nunca fomos ensinados e nesse isolamento tenho feito exercício para compreender e aprender sobre ela. Na escola não tivemos aula, na faculdade tampouco, e durante a minha experiência de vida, o morrer humano nunca foi tratado. Às duras penas, vou experimentando.

Nem tudo tem remédio – quem já prendeu o dedo na porta do carro? Eu já. Dói de quase desmaiar. Sobre essa dor a ciência trata. Essa dor física na qual me refiro é a que mais se fala e se aponta o caminho para a solução, para o cessar da dor. Para ela, há remédios.

Mas a dor da saudade de quem vai embora de nossas vidas para sempre, ah, essa dor não se estuda remédios. E essa dor de quem sofre no escuro de seus pensamentos, ah, essa dói bem mais.

Estamos vivendo diferentes camadas de um luto coletivo, de um momento onde a vida foi posta em suspensão. Precisamos lidar com a perda daqueles que amamos, o medo de contrair uma doença, a ameaça de vermos nossa democracia se desfazer. Todo buscamos a paz. Mas, como muito bem observou Santo Agostinho, “cada um deseja a paz que lhe seja conveniente”.

O meu desejo é que possamos falar mais sobre o medo dessa dor que mora em nós, nos olhar como irmãos, nos olhar como humanos e que morremos como humanos. Está na declaração universal dos direitos humanos: “temos o direito de morrer sem dor”. E de buscar a paz que seja boa para todos os seres deste redondo planeta que habitamos.




O que ganhei da minha mãe

Com minha mãe aprendi que a vida não é como gostaríamos que ela fosse. Como também não é uma ameaça constante ou um inimigo a ser controlado. A vida é o nosso maior tesouro. É tudo o que temos. Com ela também entendi que não somos nós, com alguma deficiência, que deixamos de andar, ouvir, ver ou qualquer coisa assim. Elas – as mães – é que deixam de fazer tudo isso. E por nós, passam por momentos de sufoco, dor e desespero.

Lembro-me dos perrengues que tive que enfrentar com cirurgias e tudo mais quando a vida me colocou em uma cadeira de rodas. Foi com ela, a mãe que chamava de minha, que encontrava força e me desfazia dos medos. Era dela a memória de cada detalhe dessa época: o nome de cada médico, enfermeira, o motivo de cada choro, o sorriso a cada pequena vitória. Tenho certeza que se ela estivesse aqui se lembraria dos detalhes daqueles momentos. Foi com ela que reaprendi a andar. A não chorar porque estava diante de um novo modo de viver. Foi dela que ganhei força e coragem.

Mães que superam todos os obstáculos, físicos, emocionais, para exercerem a maternidade que também pode ser chamada de fortaleza.

Não duvide. Toda mãe traz em si essa força. E muitas precisam lutar para provar que são capazes. Agora imagine o quanto uma mulher com deficiência é colocada em dúvida quando resolve ter um filho. E penso que, além de dar conta da cria, ainda precisa atestar para os olhares duvidosos uma capacidade inata. O nome disso também é preconceito. Acima de nós, mulheres, mães, profissionais com ou sem deficiência, existe um teto de dúvida, de questionamentos sobre a nossa inteligência, nossa vontade, nosso direito, nosso caráter.

O que você vai levar para o dia das mães? Nesse dia das mães, não duvide do que significa essa data. Não é sobre presentes. É sobre presença, reconhecimento, reverenciamento, sobre enxergar a relação mãe e filho como um laço feito de uma material inquebrável. Revestido de doçura e resistência, coragem e delicadeza. Seja de que forma for a mãe que você conhece, veja nela o que realmente importa. E que geralmente se chama amor.




O que vou buscar quando viajo

Acredito que toda viagem é uma busca por pedaços de nós mesmos. Muitos dizem que viajar é maravilhoso. Eu concordo: sim, é uma das melhores coisas que podemos fazer. O que iremos levar? Excesso de peso tem um preço, e tem metáfora mais adequada para a vida? O que carregamos além da conta nos consome, seja na nossa saúde física ou mental.

De malas prontas, seguimos para o embarque. O meio não importa tanto: todos eles trarão algum desafio a ser superado. Seja o medo que a jornada nos apresenta, seja a dificuldade da espera, seja a ansiedade por chegar logo. Vencer todos esses obstáculos é parte do roteiro.

E se escolhermos fazer todo o trajeto apenas em uma companhia: a nossa? Iremos nos deparar com perguntas recheadas de surpresas, quase inquisidoras: você está sozinha?

Abrindo um grande parênteses – perguntas como essa carregam milhares de camadas de julgamento, preconceito, desqualificação e até mesmo, desaprovação. Sou mulher e viajo sozinha. Sou alguém com deficiência e viajo sozinha. Sou adulta e viajo sozinha. Sou Mariana e viajo sozinha. Por que tanta surpresa?

Quando descobrimos que temos asas, a primeira pessoa a se surpreender é a gente mesmo. E, a cada voo que dou, percebo como minhas asas crescem. Diante do óbvio, nos resta sorrir. E continuar desejando para que as pessoas consigam ter outras curiosidades. Podem perguntar como estou me sentindo ao conhecer um novo país, se gostaria de companhia, já que estou sozinha, se aceito tomar um café – e saiba que para essa última, a resposta é sempre sim.

O que trago na bagagem – Dizem que viajar é a melhor maneira de romper alguns preconceitos. Eu, mais uma vez, concordo. Nos últimos dias, vivi a utopia de estar em um lugar que entendeu o quanto a inclusão não é algo a ser feito. É parte do que se espera de uma sociedade que percebe as diferenças e as aceita, tornando possível a todos o exercício do viver. Quando viajo, me adapto a novos lugares, horários, rotinas. Me incluo em uma nova cultura. Aceito o que parece estranho. Me abro para o desconhecido. E me encontro naquilo que me faz tão igual e tão diferente de cada um de nós.




O que você vê pela janela?

 

monge budista tibetano, vestindo seus mantos sagrados na cor marsala, está de pé com as mãos unidas junto ao peito junto a uma ampla janela do tempo por onde entra uma grande luz.

Me surpreendo a cada instante quando me dou conta do quanto estamos tendo tempo para fazermos coisas que a correria do dia a dia e as cobranças impostas pelo trabalho, e até por nós mesmos, nos impediam. Por outro lado me assusto ao ver pessoas que se negam a estar em reclusão para estar de volta a suas rotinas, que muitos dizem, desgastantes.

Ganhamos esse tempo livre que tanto sonhávamos, mas não sabemos o que fazer com ele, né? Parece que o egoísmo de querermos nos dar esse tempo ao invés de nos impor, nos faz arrastar e não compreender a transformação de tudo que bate às nossas portas.

Muitos se queixam da prisão em que se transformaram suas casas e não enxergam a oportunidade grandiosa de mudança interna que ela pode trazer. Aliás, tem lugar mais apropriado para essa transformação? Há pessoas melhores para essa referência do que nossos familiares?

A vida pisou no freio – será que podemos enxergar esse momento como uma chance de recomeçar? Me junto aos que têm consciência do sofrimento de quem tem que pagar as contas, sustentar a família e tantas outras necessidades infinitas. Mas esse calendário sem regras parece que está nos dizendo que entende isso também. Só impõe uma nova regra: daqui pra frente será diferente. A grande saída é se ajustar ao grande momento de mudanças que bate à nossa porta e não somente ajustar a rotina.

“Compositor de destinos

Tambor de todos os ritmos

Tempo, tempo, tempo, tempo

Entro num acordo contigo”

Escuto a música “Oração ao Tempo”, de Caetano, enquanto observo. Hoje é quarta e pode parecer qualquer dia porque todos os dias eu escolho me adaptar a eles, qualquer que seja a circunstância. Para finalizar, deixo pra você uma reflexão que, independentemente do dia, pode ser como um alento para aqueles que omitem sentir e viver o aqui e agora.

“Fica bem.

Fica com disposição.

Fica com o coração tranquilo.

Fica na esperança.

Fica na cama.

Fica na cozinha.

Fica no sofá.

Fica triste, tudo bem.

Fica alegre de novo.

Fica pensando.

Fica escrevendo.

Fica normal.

Fica na loucura.

Fica no vazio.

Fica na mansidão.

Fica firme.

Fica mais.

Fica, vai ter futuro.”

(Elisa Quadros)