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Luxo Brasileiro e o “Humble Luxury”

Ao ouvir a clássica pergunta, respondi logo que queria ser dona de cabeleireiro. Perplexa, minha mãe perguntou por que, e eu, decidida, expliquei:

– “Porque as pessoas entram de um jeito, e quando saem de lá estão mais bonitas e felizes. E no meu cabeleireiro, se a pessoa quiser dormir vai poder, porque as vezes não dá tempo de fazer tudo, tem que ficar quanto tempo quiser”.  Arrematei com uma convicção da qual lembro até hoje.

Em meu primeiro emprego como repórter aos dezessete anos, pirei quando fiz uma matéria sobre o Spa da dra. Ana Aslan – uma das pioneiras do conceito na Europa. Gente!! Era aquilo que eu (criança), tentava explicar com meu “cabeleireiro” em que as pessoas poderiam dormir…

Versão Brasileira – mal sabia que, enquanto fazia a matéria um jovem casal, o estudante de medicina,  Luis Carlos Silveira e a assistente social Neusa, compartilhavam essas ideias ousadas na universidade de Pelotas: queriam criar um centro médico que reunisse os recursos de uma clínica generalista, sem ser um hospital, e hospedagem em ambiente aprazível que não fosse simplesmente um hotel.

No início dos anos 70, já casados, mudaram-se para Gramado, onde, depois de anos de pesquisa e trabalho, em março de 1982, o Kurotel abriu as portas. No Brasil, foi o  Pioneiro em cuidar da saúde, permitindo  uma experiência que vai além,  pois consegue vencer o desafio de equilibrar medicina preventiva, atividades físicas, alimentação gourmet saudável e terapias relaxantes e estéticas.

Naturalmente o Kurotel sempre esteve em meu radar de “sonho para ir um dia”. No entanto, casada com um ítalo brasileiro, acabava frequentando spas fora do Brasil – e alguns aqui, porém mais perto de São  Paulo, onde moro.

Ora, todos, mesmo os mais conhecidos europeus, sempre deixavam algo a desejar:  a dieta era insossa ou o esquema rigoroso demais – deixando você  irritado e paranoico e, mesmo os mais caros e luxuosos eram apenas isso: caros e luxuosos, mas não agregavam bem-estar e/ou mais saúde.

Humble Luxury –  a expressão quer dizer “Luxo Humilde”: luxos aparentemente pequenos ou discretos que proporcionam prazeres únicos. Só fui vivenciar o Humble Luxury aos 63 anos quando cheguei ao Kur, em auto presenteadas férias.

O Kur é a epítome desse conceito: a decoração bonita, com peças misturadas – algumas claramente vintage outras artesanais,  sem a ostentação de marcas, brilhos e falsos dourados.

A equipe interdisciplinar é acolhedora sem invadir, e com um grau de atenção e cortesia que jamais encontrei igual (como trabalho com isso e reparo)…

A natureza  é respeitada, assim como os tempos de cada hóspede/cliente. A comida é espetacular e ninguém “passa fome” – mesmo fazendo exercício e controlando calorias. Ora, o que pode ser melhor do que passar dias em uma festa dos sentidos, equilibrando prazer, bem estar e eficiência para melhorar saúde?

É o luxo humilde: um lugar dessa qualidade e magnitude é coisa nossa, em plena serra gaúcha, brasileiro de pai e mãe!




Cocada de forno com sorvete de rapadura

 

                         Foto tirada do livro

Para o Sorvete:

  • 01 lata de leite condensado;
  • 03 medidas (do leite condensado) de leite comum;
  • 03 gemas;
  • 02 colheres (sopa) de amido de milho;
  • 05 colheres (sopa) de rapadura ralada;
  • 03 claras batidas em neve;
  • 03 colheres (sopa) de açúcar;
  • 01 lata de creme de leite com soro

Para a Cocada

  • 04 ovos;
  • 1,580g de leite condensado;
  • 01L de leite integral;
  • 01L de creme culinário;
  • 01kg de coco ralado;
  • 50g de parmesão ralado

Para fazer o sorvete, leve ao fogo o leite condensado, o leite comum, as gemas, o amido de milho e a rapadura ralada. Misturando até obter um creme. Deixe esfriar.

Acrescente as claras batidas junto com o açúcar e o creme de leite. Coloque em um refratário e leve ao congelador por no mínimo 4 (quatro) horas.

Para a cocada, bata os ovos com o leite condensado, leite integral e o creme culinário. Misture o coco fresco ralado com o parmesão ralado, Junte o líquido ao coco misturado com o queijo e mexa bem. Porcione em quengas (metades de coco sem a polpa) 240g de cocada. Leve ao forno a 130ºC por 30 minutos.

Sirva a cocada quente com o sorvete.

 

Receita da Chef Van Régia – retirada do Livro Mesa Brasileira (por Claudia Matarazzo – Ed. Senac)




Violência no paraíso – e donzelas doceiras

Encontrei testemunhos impressionantes que contrastam com o imaginário de “terra das palmeiras e de gente cordial” que sempre permeia referências ao nosso país.

Apesar da beleza natural, das exuberantes paisagens e das tentativas de embelezar o cotidiano com referências delicadas e nuances que remetiam a mimos europeus, o dia a dia no Brasil era permeado por correntes de violência nem sempre subterrâneas.
Um exemplo disso foi uma das maiores rebeliões escravas ocorrida em Minas, em São Tomé das Letras em 1833: Gabriel Francisco Junqueira filho do proprietário de uma grande fazenda foi apeado de seu cavalo e morto a golpes de porrete na cabeça.
Feito isso os escravos dirigiram-se ao terreiro e a Casa Grande da fazenda e, ao perceber que eram guardadas por 2 capitães do mato foram a até a vizinha fazenda Santa Cruz – onde assassinaram todos os brancos que lá encontraram.
A família de Gabriel Francisco – foi toda assassinada a sangue frio, apesar da tentativa de esconder-se em um dos cômodos da casa.


Foram massacrados brancos e proprietários de várias fazendas até capturar o líder, o escravo Ventura com uma grande mobilização da Guarda Nacional para conter a rebelião.
Esse é um retrato brutal, mas verdadeiro, da realidade nessa terra. Onde havia que se ter muita força interior e coragem para seguir vivendo e insistir em fincar raízes.
As escravas eram abusadas por seus senhores – não apenas sexualmente – mas também, obrigadas a produzir doces, bolos e outros quitutes, vender o produto sob o sol inclemente e entregar o lucro da venda aos mesmos senhores. Por outro lado, a arte da doçaria era aprendida com as mesmas escravas pelas sinhás e sinhazinhas.
Segundo Câmara Cascudo, os bolos possuíam uma função social importante, pois estavam presentes em toda sorte de comemoração, de batizados a casamentos passando por noivados, aniversários e até mesmo em condolências – quando proporcionavam inegável conforto. Podiam ser compartilhados e eram de fácil transporte daí sua popularidade!


Para Casar – moça prendada precisava bordar, cozinhar e ter “mão de ouro nos doces”. Isso ia além de saber fazer sobremesas: qualquer tabuleiro de bolo era enfeitado com papel colorido delicadamente recortado, panos com franjas trabalhadas e decorado com canela e açúcar. Eram pequenas obras de arte da doçaria.

Relendo esses relatos, compreendo melhor a violência verbal, exposta com a explosão do uso de redes sociais. E até mesmo a não verbal – a qual assistimos diariamente em noticiários. O Brasil sempre viveu grandes contrastes, oscilando entre a ofuscante e belíssima natureza, a alegria exuberante das folias e a violência – dissimulada ou escancarada. Evoluímos um pouco. Mas é grande – o esforço atravessar as nuvens escuras e continuar a saborear a doçura dos bolos coloniais.




Nossa Senhora Aparecida, Fé e agradecimento.

 

Sobre um fundo de galhos secos marrons está pendurado um terço com contas de pérolas brancas e pequenas com uma pedra sobre o crucifixo em outro delicadamente trabalhado. O material delicado do terço contrasta com o fundo escuro e rústico dos galhos secos.

Terço em pérolas de Guto Koech

A Fé da qual falo aqui não pertence a nenhuma religião – mas sim, a toda a humanidade. Assim como o Deus de todas as religiões é um Deus atemporal que se fortalece a medida em que crescer cada vez mais dentro de cada um de nós.

Afinal não é precisa frequentar a Igreja assiduamente para ter fé. Assim como tantos que frequentam Igrejas e Templos, muitas vezes mostram-se pequenos e mesquinhos até mesmo com relação a família e/ou amigos que deveriam tratar bem.

No dia em em que se festeja Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil, não pretendo ditar regras ou discutir a Fé em profundidade até porque não me sinto capaz de faze-la. Apenas propor uma reflexão, um gesto de humildade e muito agradecimento.

Imagem da Nossa Senhora Aparecida, pintura de Djanira, onde temos no fundo muitas folhas verdes com rosas vermelhas espalhadas ao centro a imagem da santa com seu manto azul com muitos detalhes em amarelo, abaixo vários rostos de anjinhos com asas

Pintura de Djanira




Danem-se artistas e músicos! (ou apenas mais uma boiada)

Victor Herbert foi um compositor, (1859 a 1924) que compunha, entre outras coisas, valsas românticas e muito populares no pós primeira grande guerra.

Morava em Nova York e, um dia, almoçando no Shanley’s, um restaurante bacana e “da moda”, ouviu suas composições serem tocadas para deleite de todos os clientes ali – inclusive ele.

Pagou a conta, procurou o gerente e perguntou se a música estava embutida no valor cobrado pelo lugar – e se atraía muita gente.

Ao ouvir que sim, saiu direto para o escritório de um advogado onde começou um processo contra o Shanley’s que duraria 4 anos.

Não apenas ganhou a causa, como, graças a essa sua atitude firmou-se uma jurisprudência que levou os EUA (e mais tarde o resto do mundo) a criar uma sociedade obrigando o pagamento de direitos autorais pelo uso da música em restaurantes, hotéis e similares.

Mais uma boiada – essa atribuição no Brasil historicamente cabe ao ECAD (Escritório Central de Arrecadação) e, graças a isso, nesse momento de Pandemia e quando 99% dos 383 mil músicos filiados ao ECAD estão parados, impossibilitados de trabalhar ao vivo, eles continuam arrecadando Brasil

Hotéis quebrados – essas pessoas alegam que os estabelecimentos estão quebrados com a pandemia. Acredito. O que não dá pra acreditar é que os R$0,35 a R$0,60 que recebe um músico por sua música tocada fora do palco, possa salvar um 5 estrelas de fechar as portas. Afinal, são 2 milhões de leitos em todo o país, basta fazer a conta por baixo…

Ora, um artista de alguns sucessos gravados recebe algo em torno de R$500,00 por mês, já um artista de sucesso mediano algo como R$ 200,00 – para eles uma ajuda preciosa.

Já para os hotéis, sem fazer conta no bolso de ninguém – já fazendo – se não forem capazes de enxugar esse valor de algum outro item supérfluo de sua administração /rotina, merecem fechar as portas mesmo.

Por que não desligam o som? Mais fácil do que essa batalha toda, certo? Mas, aí está a perversidade cínica desse lobby: porque sem música, a hospitalidade e o prazer se acabam – de nada adiantaria luxo, boa comida etc em meio a um lúgubre silêncio.

Nada tenho contra a rede e pessoal dos hotéis (apenas contra raciocínios canalhas) mas, entre eles e a música – e seus criadores – fico com essa última: alimento da alma, linguagem universal, atemporal e eterna e que, para existir, sempre dependeu de seres especiais, divinos e desapegados.

Mas que, para compor e nos deleitar com ela, ainda precisam pagar as contas.