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As armadilhas do decreto 10.502

No último 30 de setembro, o governo nos presenteou ia com o decreto que institui a Política Nacional de Educação. Um verdadeiro “soco no estômago” de quem, há décadas, luta por uma educação igualitária respeitando as singularidades de seus alunos.

 

A segregação nas entrelinhas – fragilidade e crueldade disfarçadas por trás de palavras doces. O artigo sétimo fere tão gravemente documentos internacionais e constitucionais sobre a Política da Pessoa com Deficiência que chega a ser o cúmulo da falta de respeito e de civilidade. Na verdade, todo o texto é uma afronta aos direitos adquiridos pelo movimento.

O artigo sétimo nos empurra para o paredão da segregação sem dó nem piedade. Ele “propõe a criação de centros bem específicos, como deficiência visual, deficiência intelectual, transtorno global de desenvolvimento, deficiência físico-motora, superdotação, surdez”. Bem mais que desmerecer a diversidade e características humanas, o artigo aponta para nós dizendo que a escola comum não é lugar para quem tem deficiência. Socorro!

A Educação prepara para o mundo e o mundo é um só – como professora e gestora pública sempre entendi que conviver com a diversidade exige de nós novos posicionamentos, não só metodológico ou instrumental, mas também ético. Aí está o grande desafio para que um projeto de inclusão aconteça com sucesso. A realidade das nossas escolas é cercada por enormes desafios e de muitas tarefas a cumprir para atender a missão de ensinar a todos.

Não vamos nos calar diante de tamanho retrocesso e nem tampouco vamos permitir ofuscar o mais de um milhão de alunos matriculados na Educação Especial das escolas nos últimos doze anos. Pessoas com deficiência são reconhecidas por sua luta incessante pela igualdade e por reivindicar respeito aos direitos conquistados. Manter o foco sobre temas relacionados a essas conquistas é romper com a forma nefasta com que nos agridem documentos como esse.

Termino com uma reflexão do professor Boaventura de Souza Santos: temos o direito de ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito de ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades.

Não se iluda. Trazer as pessoas com deficiência para todos os espaços comuns da sociedade e avançar no conhecimento pode ser ameaçador para aqueles que permanecem na barreira do desrespeito, da desigualdade e da discriminação.

 

 




Brasileiros com voz mais forte na ONU: uma longa jornada por direitos

 

É uma grande emoção e responsabilidade falar de minha recente indicação como única representante do Brasil a participar do Comitê da ONU responsável por monitorar a implementação da Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência. Tratar deste tema vai além: é um passeio por minhas memórias como militante da inclusão de um segmento que por anos foi invisível.

Lembro-me de agosto de 2006, quando representando a Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência, tive a oportunidade de participar da 1ª Conferência Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, realizada na sede geral da Organização das Nações Unidas, em Nova York.

Naquela ocasião, 192 países discutiram direitos em várias frentes. O Brasil, por exemplo, brigou muito pela educação inclusiva, principalmente para mudar a ideia de alguns países que defendiam a utilização de salas exclusivas para alunos com deficiência. Recordo, ainda, o quanto avançamos em temas mais polêmicos, como os direitos sexuais e reprodutivos das pessoas com deficiência.

Em 2008, dois anos depois de minha primeira ida a ONU, o Brasil finalmente deu um passo fundamental ratificando a Convenção, um documento inovador que contemplava a pessoa com deficiência em todas as frentes, sempre mirando sua autonomia e protagonismo.

Nesta época, a discussão no Brasil girava em torno do Estatuto da Pessoa com Deficiência, texto que sofria inúmeras críticas por não estar em sinergia com as diretrizes estabelecidas pela recente Convenção da ONU. Entre incongruências e infinitas discordâncias, o projeto acabou sendo engavetado –  e eu sequer imaginava que anos depois, aquele mesmo texto cairia em minhas mãos para que eu relatasse.

Essa  relatoria – do Estatuto da Pessoa com Deficiência – tornou-se um grande propósito de trabalho e de vida para mim. E depois de um árduo processo junto à sociedade, que contribuiu ativamente na construção do texto, o Estatuto tornou-se a Lei Brasileira de Inclusão. Um marco da democracia em nosso país e um case de sucesso apresentado na Organização das Nações Unidas. Um ciclo na minha vida e de muita gente que lutou pela inclusão no Brasil.

Nova missão –   a meta agora é trabalhar para compor um órgão na ONU do qual o Brasil nunca participou: o Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

Formado por 18 membros independentes, esse comitê contempla diferentes países, peritos na temática da pessoa com deficiência, e monitora a implementação da Convenção pelos Estados Partes.

As próximas eleições para compor esse grupo estão previstas para junho de 2018 e elegerão nove membros para um mandato de quatro anos. E é uma imensa alegria e responsabilidade ser uma das candidatas a compor essa seleção. Atualmente, apenas um membro dentre os 18 integrantes do Comitê é mulher – a alemã Theresia Degener. A América Latina não possui nenhum representante. Fato que torna tal incumbência ainda mais grandiosa.

O Brasil  tem um histórico de grande protagonismo na elaboração da Convenção da ONU. Crescemos de maneira significativa se pensarmos em inclusão diante da realidade de outros países signatários da Convenção, que ainda enfrentam barreiras enormes para garantir, por exemplo, direitos civis às pessoas com deficiência intelectual.

Prova disso é que no Brasil essas pessoas exercem o direito de casar, ter filhos, votar e ser votadas.

Atualmente, de acordo com a ONU, existem cerca de 1 bilhão de pessoas com deficiência no mundo. O Brasil, pela primeira vez, terá a oportunidade de não só trocar experiências exitosas junto a outros países signatários, mas também ser modelo para outras nações, ajudando a incluir esse contingente muitas vezes ignorado e repleto de potencial inexplorado. Em uma época em que o brasileiro carece tanto de bons exemplos, teremos a chance de fortalecer nossa esperança no País.

 

 




Ministério da Cultura sim! Entenda porque.

 

Em uma sábia decisão o presidente interino Michel Temer voltou atrás e o Ministério da Cultura (MinC),  deixou de se tornar uma secretaria vinculada ao Ministério da Educação.

Como deputada Federal – mas principalmente como cidadã – avalio a cultura como uma das políticas públicas de maior impacto social em um país.

Ministério só para a Cultura – muitos questionam a necessidade disso. Ora, ainda que a educação detenha importância tão grande quanto, suas demandas são de outra natureza e, portanto, devem sim ser geridas por órgão próprio e distinto.

Sempre fui uma apaixonada por arte e cultura e a deficiência nunca me desconectou dessa paixão. Esse olhar está presente na minha forma de trabalhar políticas públicas voltadas à população com deficiência.

A Lei Brasileira de Inclusão, que entrou em vigor em janeiro deste ano, traz novidades na área cultural, como a obrigação da acessibilidade nas salas de cinema de todo o Brasil.

Inclusão de fato – vai além das rampas certo? Desde o início deste ano passou a vigorar o prazo de 24 meses para que esses estabelecimentos ofereçam recursos como janela de libras e legenda closed caption aos surdos, bem como audiodescrição aos cegos.

Esse mesmo prazo valerá para as casas de shows e espetáculos, que deverão oferecer assentos e espaços acessíveis em vários pontos de seus estabelecimentos – e não mais em áreas exclusivas ou segregadas.

vários quadrados coloridos com comunicação visual de vários símbolos: as mãos faando por libras, o idoso com bengala e, no centro um quadrado lilás com um cadeirante

A novidade ? – é que agora esses ambientes deverão acomodar não só a pessoa com deficiência, mas também grupos comunitários e seus familiares.

Esse direito de escolha, nunca dado ao público com deficiência, fará toda a diferença não só na apreciação dos espetáculos, mas no olhar coletivo para as diferenças humanas. E se elas estão presentes em todos os cantos, por que não em uma plateia ou multidão de um show?

Felizmente, muitos locais hoje já contam com espaços projetados para atender a diversidade humana e oferecer recursos que aproximam cada vez mais pessoas com deficiência da arte e da cultura.

Com o auxílio da audiodescrição, cegos podem ser tocados por um belo filme e surdos podem ter acesso a diálogos profundos.

O psicólogo Abrahan Maslow ficou conhecido por propor uma escala hierárquica de necessidades do ser humano. Na Pirâmide de Maslow, as necessidades de nível mais baixo (aquelas que ficam na base), devem ser supridas antes das necessidades de nível mais alto.

Necessidade básica – é tudo o que é fisiológico, como beber água. Mas, para chegar ao topo, no estágio de plenitude, além do básico, o ser humano precisa de experiências que o permitam explorar horizontes e aguçar novas percepções. Neste sentido, a cultura é imprescindível para elevar o indivíduo ao estado de realização pessoal.

Entre teatros, museus, cinemas, centros culturais, casas de espetáculos… todo local deve estar preparado pra atender qualquer perfil de público, independente de condições físicas, sensoriais, intelectuais ou múltiplas – afinal, falamos de direitos preconizados por nossa legislação e que devem ser respeitados.

Rir, chorar, cantar, observar ou simplesmente silenciar diante de um movimento são emoções que jamais serão subtraídas por uma deficiência. E cabe a todos nós, como Estado e sociedade, oferecer acesso para que todo ser humano evolua como cidadão, ser pensante e, finalmente, como agente transformador de seu meio.

Uma foto de um espaço que tanto pode ser uma garagem quanto uma sala muito moderna. As paredes são totalmente brancas porém estão iluminadas com muita cor fazendo com que as frestas de espaço e sacas tenham efeitos de luz e sombra. Predominam os tons de rosa, lilás e amarelo. O espaço é grande e está vazio.




Vaidade interna – cuidar até do avesso

 Recorte em uma rocha formando um coração cheio de água

 

Bexiga, fígado, pâncreas, rins, pulmões, pele… Beleza. Você já pensou no cuidado que dedica a sua vaidade interna?

Sempre fui uma mulher preocupada com minha saúde e vaidosa, sem excessos. Ao sofrer uma lesão medular, nosso corpo passa por mudanças malucas e nossos órgãos internos, como a bexiga e o intestino, por exemplo, passam a se comunicar de maneira diferente. Entender esse novo mecanismo requer uma atenção quase flutuante, já que a comunicação com o corpo já não tão óbvia.

Esse autoconhecimento é o primeiro passo para resgatar a auto-estima e a beleza.

Com o tempo e por falta de exercícios e atividades, muitas pessoas com deficiência passam horas na mesma posição. Essa condição faz com que os membros enrijeçam e, não raro, seus donos percam a ambição do próprio corpo e acabem adoecendo.

Ser tetra e saudável dá um pouquinho de mais trabalho do que para quem se mexe. Agora, ser tetra e bonita é trabalho árduo! Exige disciplina e uma nova forma de encarar a vida.

Tudo que você come, bebe e os hábitos que adquire deflagram no seu exterior e reflete na forma como as pessoas e você mesmo se enxerga. Saudável, além de energia para produzir, sinto-me bonita por dentro para trabalhar pelo outro e inspirar mudanças.

Com ou sem deficiência – busque formas de cuidar de si mesmo porque o mundo sempre pode esperar um pouquinho enquanto você se prepara para retribuir o que de melhor pode oferecer ao outro.

Espelho de mesa oval com suporte trabalhado em metal prateado

 

 

 

 

 

 

 

 

Mara Gabrilli, deputada federal, com seus longos cabelos loiros, sorrindo, ela usa uma camisa brancaMara Gabrilli, 46 anos, é publicitária, psicóloga, foi secretária da Pessoa com Deficiência da capital paulista e vereadora também por São Paulo. Atualmente é Deputada Federal pelo PSDB.
Aos 26 anos, sofreu um acidente de carro que a deixou tetraplégica. Indignada com a falta de acessibilidade, fundou em 1997 a ONG Projeto Próximo Passo, hoje Instituto Mara Gabrilli, para promover acessibilidade, pesquisas e inclusão social em comunidades carentes e atletas com deficiência. Em Brasília, tornou-se a primeira deputada Federal tetraplégica do Brasil
www.maragabrilli.com.br   facebook.com/maragabrilli   twitter@maragabrilli



Moda adaptada – Existe isso?

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No máximo se consegue via internet ou acabamos por nos se render a roupas sem graça e difíceis de vestir!!

Gente, visual é importante, é nosso cartão de visitas! E vestir-se bem e deve ser permitido a todos com ou sem deficiência.

 

 

Desenho em preto e branco de sapato de baile forrado com renda e cristais delicadamente bordados com salto fino e muito alto com pedras esféricas incrustradasComo é que o mercado de Moda no Brasil , que movimenta mais de 50 bilhões de dólares por ano ainda não acordou para isso?!!

Ora, temos grandes estilistas, especialistas, faculdade de moda, designer, incentivos, matéria prima etc. Só faltam as empresas acreditarem!!!

Não dá mais para ignorar esse segmento – um novo olhar para uma moda, de fato mais abrangente, humanizada, não segregadora e sim, acolhedora, tem sido o foco de estilistas na Europa e Estados Unidos.

Aqui no Brasil vemos isso timidamente – através dos concursos de moda inclusiva e dos incentivos a projetos acadêmicos. Mas é preciso mais.
Vestir bem vai muito além da vaidade – para quem qualquer tipo de limitação, as dificuldades são inúmeras Um exemplo: a falta de etiquetas em Braille que indiquem a cor e o tamanho daquela peça a ser escolhida. É uma coisa simples – que mas que garante uma preciosa independência a quem não enxerga.

Cinderela sobre Rodas – para ilustrar como as pessoas pensam, relato a confissão de meu amigo sobre minha vaidade com o que uso nos pés:
“Engraçado, quando te vi com esses saltos altos enormes na sua cadeira pensei logo, pra que? Se não vai andar. Fiz a pergunta e logo respondi, pra mim mesmo, deixa de ser idiota! Sapatos de saltos altos não são feitos pra andar (são desconfortáveis), foram feitos pra embelezar, pra dar sensação de poder.”
Ufa, ainda bem!

 

mariana_reisA Bailarina Mariana Reis, tornou-se cadeirante aos vinte anos. Tornou-se Administradora de Empresas e Educadora Física. É Pós Graduada em Gestão Estratégica com Pessoas e em Prescrição do Exercício Físico para Saúde pela Universidade Federal do Espírito Santo. É também atriz, colunista do jornal A Tribuna de Vitória, professora universitária, técnica e árbitra de ginástica artística. Atua como consultora em acessibilidade e gestora na construção e efetivação das políticas públicas para a pessoa com deficiência em Vitória. Acredita na sedução diária de superar limites e ir além do que nos impede – não as pernas, os olhos, os ouvidos – mas o cotidiano. Afinal, temos todos medo de enfrentar o mundo e suas barreiras. E todos temos obstáculos. Vamos encarar?