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O que vou buscar quando viajo

Acredito que toda viagem é uma busca por pedaços de nós mesmos. Muitos dizem que viajar é maravilhoso. Eu concordo: sim, é uma das melhores coisas que podemos fazer. O que iremos levar? Excesso de peso tem um preço, e tem metáfora mais adequada para a vida? O que carregamos além da conta nos consome, seja na nossa saúde física ou mental.

De malas prontas, seguimos para o embarque. O meio não importa tanto: todos eles trarão algum desafio a ser superado. Seja o medo que a jornada nos apresenta, seja a dificuldade da espera, seja a ansiedade por chegar logo. Vencer todos esses obstáculos é parte do roteiro.

E se escolhermos fazer todo o trajeto apenas em uma companhia: a nossa? Iremos nos deparar com perguntas recheadas de surpresas, quase inquisidoras: você está sozinha?

Abrindo um grande parênteses – perguntas como essa carregam milhares de camadas de julgamento, preconceito, desqualificação e até mesmo, desaprovação. Sou mulher e viajo sozinha. Sou alguém com deficiência e viajo sozinha. Sou adulta e viajo sozinha. Sou Mariana e viajo sozinha. Por que tanta surpresa?

Quando descobrimos que temos asas, a primeira pessoa a se surpreender é a gente mesmo. E, a cada voo que dou, percebo como minhas asas crescem. Diante do óbvio, nos resta sorrir. E continuar desejando para que as pessoas consigam ter outras curiosidades. Podem perguntar como estou me sentindo ao conhecer um novo país, se gostaria de companhia, já que estou sozinha, se aceito tomar um café – e saiba que para essa última, a resposta é sempre sim.

O que trago na bagagem – Dizem que viajar é a melhor maneira de romper alguns preconceitos. Eu, mais uma vez, concordo. Nos últimos dias, vivi a utopia de estar em um lugar que entendeu o quanto a inclusão não é algo a ser feito. É parte do que se espera de uma sociedade que percebe as diferenças e as aceita, tornando possível a todos o exercício do viver. Quando viajo, me adapto a novos lugares, horários, rotinas. Me incluo em uma nova cultura. Aceito o que parece estranho. Me abro para o desconhecido. E me encontro naquilo que me faz tão igual e tão diferente de cada um de nós.




O céu que nos limita

Renata Souza tem 37 anos, funcionária pública, cadeirante e ama viajar. Sozinha ou acompanhada. Mas, como uma mulher adulta e madura, viajar sozinha jamais deveria ser sinônimo de constrangimento. E foi exatamente isso que viveu ao tentar ir de Vitória para o Recife.

 

Não é a primeira vez que falo sobre os constrangimentos que pessoas com deficiência passam com as empresas aéreas. Os casos são tão inacreditáveis quanto bizarros, pra dizer o mínimo. E parecem não ter fim.

Que despreparo é esse? Ao tentar embarcar, Renata foi impedida pela comissária de bordo e, depois pelo comandante da aeronave. A alegação? Ela deveria usar uma fralda geriátrica para não ter que ir ao banheiro, já que estava sozinha. Ou fralda ou acompanhante. Senão, nada de viagem.

Nada nos obriga a carregar alguém do nosso lado ou ter uma fralda na bolsa para situações de insanidade como essa. O que essa situação comprova é a incapacidade que muitas pessoas ainda têm de aceitar nossa autonomia e reconhecer nossos direitos. Vamos a eles.

A Resolução 280 da ANAC estabelece procedimentos específicos relativos a acessibilidade de passageiros com necessidade de assistência especial PNAE. Ainda temos a Convenção Internacional dos Direitos da Pessoas com Deficiência e a Lei de Acessibilidade 10.098/2000 e a Lei Brasileira de inclusão LBI 13.146/2015. Em todas elas estão previstas o nosso direito à assistência, quando houver necessidade e a nossa autonomia.

Sou uma pessoa muito positiva e otimista, mas diante dos casos intermináveis de aeroportos que acontecem com os viajantes com deficiência, limito a dizer que minha mente não está aberta suficiente para acreditar em grandes mudanças para melhor e nem tampouco estou com uma visão igualmente ampliada para ser criativa em relação ao caos, porque vocês verão ainda por aqui, sobre avião, que as decisões e conquistas do movimento nessa área não são capazes de driblar o fracasso e de tantos absurdos cotidianos. Adoraria saber qual o caminho para estar nas nuvens. Alguém me diz?

 




Brasileiros com voz mais forte na ONU: uma longa jornada por direitos

 

É uma grande emoção e responsabilidade falar de minha recente indicação como única representante do Brasil a participar do Comitê da ONU responsável por monitorar a implementação da Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência. Tratar deste tema vai além: é um passeio por minhas memórias como militante da inclusão de um segmento que por anos foi invisível.

Lembro-me de agosto de 2006, quando representando a Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência, tive a oportunidade de participar da 1ª Conferência Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, realizada na sede geral da Organização das Nações Unidas, em Nova York.

Naquela ocasião, 192 países discutiram direitos em várias frentes. O Brasil, por exemplo, brigou muito pela educação inclusiva, principalmente para mudar a ideia de alguns países que defendiam a utilização de salas exclusivas para alunos com deficiência. Recordo, ainda, o quanto avançamos em temas mais polêmicos, como os direitos sexuais e reprodutivos das pessoas com deficiência.

Em 2008, dois anos depois de minha primeira ida a ONU, o Brasil finalmente deu um passo fundamental ratificando a Convenção, um documento inovador que contemplava a pessoa com deficiência em todas as frentes, sempre mirando sua autonomia e protagonismo.

Nesta época, a discussão no Brasil girava em torno do Estatuto da Pessoa com Deficiência, texto que sofria inúmeras críticas por não estar em sinergia com as diretrizes estabelecidas pela recente Convenção da ONU. Entre incongruências e infinitas discordâncias, o projeto acabou sendo engavetado –  e eu sequer imaginava que anos depois, aquele mesmo texto cairia em minhas mãos para que eu relatasse.

Essa  relatoria – do Estatuto da Pessoa com Deficiência – tornou-se um grande propósito de trabalho e de vida para mim. E depois de um árduo processo junto à sociedade, que contribuiu ativamente na construção do texto, o Estatuto tornou-se a Lei Brasileira de Inclusão. Um marco da democracia em nosso país e um case de sucesso apresentado na Organização das Nações Unidas. Um ciclo na minha vida e de muita gente que lutou pela inclusão no Brasil.

Nova missão –   a meta agora é trabalhar para compor um órgão na ONU do qual o Brasil nunca participou: o Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

Formado por 18 membros independentes, esse comitê contempla diferentes países, peritos na temática da pessoa com deficiência, e monitora a implementação da Convenção pelos Estados Partes.

As próximas eleições para compor esse grupo estão previstas para junho de 2018 e elegerão nove membros para um mandato de quatro anos. E é uma imensa alegria e responsabilidade ser uma das candidatas a compor essa seleção. Atualmente, apenas um membro dentre os 18 integrantes do Comitê é mulher – a alemã Theresia Degener. A América Latina não possui nenhum representante. Fato que torna tal incumbência ainda mais grandiosa.

O Brasil  tem um histórico de grande protagonismo na elaboração da Convenção da ONU. Crescemos de maneira significativa se pensarmos em inclusão diante da realidade de outros países signatários da Convenção, que ainda enfrentam barreiras enormes para garantir, por exemplo, direitos civis às pessoas com deficiência intelectual.

Prova disso é que no Brasil essas pessoas exercem o direito de casar, ter filhos, votar e ser votadas.

Atualmente, de acordo com a ONU, existem cerca de 1 bilhão de pessoas com deficiência no mundo. O Brasil, pela primeira vez, terá a oportunidade de não só trocar experiências exitosas junto a outros países signatários, mas também ser modelo para outras nações, ajudando a incluir esse contingente muitas vezes ignorado e repleto de potencial inexplorado. Em uma época em que o brasileiro carece tanto de bons exemplos, teremos a chance de fortalecer nossa esperança no País.