Minha credencial para entrar fora uma carta escrita por minha madrinha na moda: Lucia Cúria, mais tarde Moreira Salles, dizendo que eu queria começar minha carreira de estilista com ele.
Nem imaginava que, já no dia seguinte, estaria ao seu lado no Ateliê da Alameda Jaú em São Paulo. Dois anos de convívio profissional e doze de amizade, com alguns altos e baixos, como costumam ser as amizades verdadeiras.
Dele aprendi muito mais a viver do que moda, porque os gênios não têm muita paciência com iniciantes. Mas só de vê-lo criando, provando uma roupa, ou contando suas histórias, já era um aprendizado que poucos puderam ter. Aliás, raros, se é que houve.
1978 – Dia ainda frio naquele começo de novembro. Não ouço Maria Callas, como ele tinha pedido e fico longe da família e da pequena multidão. Poucos “amigos”; aqueles que sempre estavam em sua casa bebendo às suas custas e usufruindo da sua fama não apareceram.
Me afasto. Não quis ver os últimos momentos. Muito melhor foi lembrar, na hora, da cena em que, entrando no seu quarto, me deparei com ele conversando com uma galinha que estava em sua cama. A galinha, com um nome aristocrático, “estava com frio”. Comecei a rir alto, no cemitério, assim como tinha rido no quarto. Prefiro guardar esta última imagem.
A história
1846: o alfaiate inglês Charles Frederick Worth, aos 21 anos, muda-se de Londres para Paris. Em pouco tempo, torna-se o primeiro costureiro com ateliê e a desfilar suas criações em modelos vivos. Vestiu rainhas e imperatrizes, foi o primeiro “fornecedor”, como eram chamados pela aristocracia os comerciantes da época, a entrar pela porta da frente e frequentar os ambientes sociais de suas clientes. Revolucionário, é considerado o pai da alta costura, aquele que deu início ao que se pode chamar de história da moda feminina ocidental.
As Coincidências
1956: o paraense de Soure, ilha de Marajó, Dener Pamplona de Abreu, desembarcava em São Paulo, vindo do Rio de Janeiro. Em 1957, aos 21 anos, monta o primeiro ateliê couture no Brasil, com o nome do próprio criador na fachada.
Dener, assim como Worth, começou a trabalhar com moda aos 13 anos. Assim como Worth, Dener foi pioneiro e, decididamente, um visionário. Original em tudo o que fazia: em moda, comportamento, maneirismos, televisão e marketing pessoal, numa época em que esse termo era desconhecido.
Dener foi ousado. O primeiro a usar temas, materiais e inspirações brasileiras em suas criações. Mulheres que antes só colocavam roupas de costureiros internacionais, ou cópias destas, passaram a vestir-se com um brasileiro.
Tornou-se mais chique usar Dener do que marcas importadas. Algumas até recolocavam a etiqueta em lugares onde pudessem ser vistas! Sob Dener, a combinação do verde com o amarelo deixou de ser cafona.
Pelas suas mãos, a renda do Ceará, saiu da toalha de mesa e entrou na couture. Pelas suas aquarelas, o verde-e-rosa da mangueira virou vestido de festa e bailou no corpo de milionárias e famosas.
Em dois anos, já se transformara numa lenda. Excêntrico, esnobe, irreverente e contraventor, frequentava a alta sociedade, a alta política e a alta boemia com a mesma desenvoltura. Seus amigos eram poetas, escritores, atores, pintores e também industriais, banqueiros, políticos e comerciantes poderosos.
Suas clientes? A nata da sociedade, da política e do mundo artístico. De Ângela Maria à Guiomar Novais; de Elis Regina à Cacilda Becker; de Maria Tereza Goulart à Yolanda Costa e Silva. Assim como Worth, pela primeira vez, um “fornecedor” era admitido pela porta social das mansões de suas clientes.
Pela primeira vez, levou manequins a lugares onde elas jamais entrariam sem seu aval. Pela primeira vez, misturou artistas de todos os matizes, em uma esfera social onde a palavra artista era sinônimo de prostituição. Pela primeira vez, um “fornecedor” dava festas mais extravagantes e suntuosas que suas clientes.
Pela primeira vez, um costureiro era mais importante que as mulheres que vestia. Pela primeira vez, depois do império, falou-se em uma corte: a Corte de Dener. Quem não a frequentasse, era quase um desconhecido, um nada no ambiente social que não admitia anônimos.
Lançou modas e modismos. Foi o Papa da moda, o Rei da autopromoção, o Imperador do estilo e de um mundo de sonhos e fantasias que ele mesmo criava.
Inúmeras vezes foi capa das principais revistas e alvo dos jornais mais importantes da época. Estrela de todas as noites. Assunto de todos os dias.
Seu brilho ofuscava qualquer pretensão e qualquer possibilidade de concorrência. Milhares, na porta da igreja, aplaudiram seu casamento com Maria Stella Splendore e milhões, agora pela TV, os primeiros passos de seus filhos, Frederico Augusto e Maria Leopoldina.
Ganhou prêmios nacionais e internacionais. Levou à televisão um frenesi pessoal nunca antes visto e até hoje inigualado. Sua frase, é um luxo, virou mania nacional. Outra; maravilhoso, tornou-se uma canção nos versos de Caetano Veloso para a voz de Gal Costa.
Seu nome e sua marca eram colocados em inúmeros produtos que iam de meias à porcelanato. Teve loja de departamentos -a Dener-Ceprin- na rua 7 de Abril, em São Paulo. Lojas no Rio e Salvador e revendas em multimarcas do Brasil inteiro com sua linha de “prêt-à-porter” e produtos diversos como sapatos e bolsas.
Aos 42 anos, desgostoso com a vulgaridade da moda e dos costumes, morria aos poucos, como uma árvore não regada, mas plantada em um vaso feito da melhor porcelana. Consumiu-o a angústia de perceber a chegada de um novo tempo que não era o seu e o álcool, prazer que sempre o acompanhou.
Fragilíssimo, ao sair de casa em direção ao hospital, recusou a maca e os braços -que os enfermeiros lhe ofereciam- com uma frase imperativa. “As árvores morrem de pé”
Em 9 de novembro de 1978, essa árvore foi tirada de um vaso luxuoso e levada à terra. Na Avenida Paulista, o cortejo acompanhado pelo coral das sirenes, era aplaudido.
Pessoas acenavam com lenços brancos. Muitas, choravam.
Vozes ignorantes se apressaram em dizer que tinha morrido na miséria. Na época, vivia em uma mansão com mordomo e dois empregados. Cercado por móveis raros, dezenas de tapetes persas, quadros de pintores famosos, obras de arte e pratarias de valor inestimável.
Que estranho conceito tem o significado da palavra “miséria” para certos balconistas de notícias!
Regada por lembranças e homenagens que sempre se apresentam, renasce a árvore, mesmo que seja por alguns dias. E renascerá sempre, porque, os gênios, apenas fingem que morrem.
Querem saber mais? Dois Livros: “Dener o Luxo” e “O Bordado da Fama, uma biografia de Dener” .
Não perca em São Paulo até 29/09:
Exposição “Dener Pamplona de Abreu”
Local: Tassì Galeria
Endereço: Rua Tupi, 816 – Pacaembu
Data: de 23 a 29 de setembro de 2015
Palestra com José Gayegos:
Data: 29 de setembro de 2015
Vagas: limitadas
Inscrições: até o dia 27 de setembro pelo e-mail contato@tassibrasil.com
1 Comentário
Gilberto Magnani
21/04/2015 as 18:39Frases delicadas dedicadas a um profissional sofisticado. Parabéns!